Os Pecados de Ashmouth
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| Os Pecados de Ashmouth |
Em Ashmouth, uma vila esquecida pelos mapas modernos, o luar mal iluminava as ruas de paralelepípedos cobertas de musgo. As vozes de seus habitantes sussurravam segredos nas soleiras das portas e janelas com a mesma devoção com a qual faziam suas preces mal compreendidas, dizia-se que, quando a neblina se erguia, algo perambulava pelos becos mais sujos e escuros: uma coisa informe, de olhos escuros e pés que deixavam rastros negros.
Na taverna de pedras úmida e assoalho de madeira rangente, reuniam-se os mais célebres desocupados e desesperançosos homens do vilarejo, toda a enfadonha trupe de maltrapilhos se reunia ali todos os dias ouvindo as histórias sinistras do decadente Lorde Aldridge. Filho de ricos donos de terras produtoras de tabaco, o deserdado, endividado e quase desabrigado lorde vivia de embebedar-se e contar as histórias de maldição que ouvira de seus antepassados.
Aldridge sussurrava
sobre pecados enterrados sob as fundações da capela. Cada maledicência parecia
despertar algo terrível além das paredes de pedra. Cada rito profano executado
no passado pelos fundadores fazia os subterrâneos revolverem-se na ânsia de
expelir um mal antigo há muito tempo envolvido no lodo das úmidas cavidades da
terra sob Ashmouth. Aos fundos da capela abandonada, contava ele, no cemitério
pantanoso e fétido onde ninguém ousa visitar as catacumbas, estava o resultado dos
piores atos de Ashmouth, pronto para se erguer e cobrar a dívida moral de cada
um dos desafortunados que não conseguiam sair daquele lugar...
Ashmouth
sobrevivia em meio ao medo do despertar iminente do caos, seus habitantes pouco
falavam, a fé estava abandonada junto aos detritos e as moscas que infestavam
as ruas insalubres do lugar. Todos os lugares eram quietos, as pessoas pouco
falavam, mas quando o faziam era predominantemente por meio de sussurros e
frases inacabadas. Aquela era a cidade no meio do nada, o lugar esquecido no
fim-do-mundo.
Foi esse cenário desolado e imundo que a jovem cartógrafa Elinor encontrou ao chegar no vilarejo para desenhar seus limites, cumprindo as ordens de seus superiores foi designada para onde nenhum outro cartógrafo Real quis ir. Com seus aparatos e os dedos sujos de tinta Elinor perambulava por todos os cantos e becos de Ashmouth conhecendo a decadência do lugar e indignando-se com as pessoas sujas e de andar arrastado.
Naquele
lugar macabro a luz fraca que ela carregava não era capaz de vencer a densidade
da escuridão e Elinor não pôde perceber as palavras profanas que ossos antigos e
quebrados cuidadosamente dispostos formavam no solo, talvez tenha sido melhor
assim... Certas palavras nem mesmo podem ser lidas sem expor um desavisado
leitor aos perigos de obscuros ritos lúgubres. O vestido da jovem tremulava com o
vento congelante enquanto ela tentava decidir se seguia em frente ou voltava, mas
não teve tempo para a decisão. Logo ela percebeu vultos que se contorciam entre
as lápides partidas, cada uma daquelas pedras mortuárias parecia exibir uma
imagem embaçada e nevoeirenta enquanto as formas estranhas se contorciam ao
redor delas chafurdando no solo lamacento.











