Um estranho invasor, o breve relato de uma garotinha sobre uma estranha figura a observá-la e um desaparecimento. Uma sequencia de acontecimentos insólitos que destruíram a vida de uma família. Estariam estes eventos estranhos ligados entre si?
INVASOR INVISÍVEL
O Desaparecimento de Brianne Sullivan
Em
busca por respostas sobre o que aconteceu comigo e com minha família, tenho dedicado
tempo pesquisando similaridades e pistas que possam esclarecer ao menos parte
do que aconteceu conosco. Nestas pesquisas foi inevitável, diante da natureza insólita
do ocorrido, que eu acabasse me deparando com sites e comunidades na internet
sobre paranormalidade e sobrenatural, não é desconhecido que a internet é rica
em relatos fantásticos e em todo tipo de teorias da conspiração, mas era a
única via que me restava. Eu encontrei diversos relatos, de diversas fontes,
que ao final sempre conduziam as pessoas para um final trágico e traumático...
Bem, até agora esta foi a única semelhança com meu caso.
Escreverei este relato da maneira mais simples que
eu conseguir, acreditando que assim, atentando somente aos fatos e
explicando-os, o caso possa ser levando mais a sério e não terminar somente
como mais uma ‘creepypasta’ na internet. Uma pequena frase dita pela minha
irmãzinha durante o tenso acontecimento pode levar você a ligar o caso que
relatarei ao mito sobre o “Homem Esguio”, mas espero que perceba que isso pode
ser apenas uma mínima semelhança já que o que aconteceu conosco possui muitos
outros elementos que divergem dos muitos relatos que povoam a internet.
Nosso pesadelo teve início quando eu tinha 10 anos
de idade, minha irmãzinha tinha apenas 4 aninhos, minha mãe estava chegando aos
40 anos e minha avó, a quem visitávamos todas as férias escolares, tinha 70
anos e era muito lúcida e ativa. Dou ênfase às idades e às condições de cada um
de nós para que possam perceber que minha irmã e eu estávamos acompanhados por
adultos lúcidos e ativos com idades não muito avançadas para serem considerados
senis.
Durante nossas férias na casa de nossa avó também
sempre estava conosco tio Steve, um homem jovem, também lúcido e ativo, um
caçador bem conhecido pelos locais e dotado de um censo prático difícil de encontrar
nos dias de hoje. Tio Steve era irmão de minha mãe, apenas três anos mais novo
que ela e também foi uma testemunha do ocorrido e sofreu com os sentimentos
traumáticos até o fim de sua vida.
Minha avó residia em uma fazenda um tanto distante
à margem da pouco trafegada estrada 82, que depois como forma de uma homenagem
póstuma, foi renomeada levando o nome de meu avô, mas anos mais tarde esta
mesma estrada ganhou outro nome, um dos típicos nomes sem graça e que não dizem
nada, mas que se tornaram muito comuns nas áreas mais rurais daquele estado. Tio
Steve morava na propriedade seguinte, ele ajudava minha avó a cuidar da
propriedade dela e, assim como ela, mantinha alguns empregados para cuidar das
terras, então era muito comum o tio Steve estar por perto, a exceção era quando
ele estava caçando pela mata com um dos rifles de sua coleção.
Nossas histórias geralmente começavam assim: “Ei,
vocês lembram aquela vez em que o Steve estava caçando e...”, ou “E quando
Steve se escondeu na vala com o rifle e...”. Todos riam, porque os fatos eram
muito comuns, era quase impossível identificar uma história específica com este
início, pois como já disse, tio Steve era um caçador e este era seu maior
prazer e em suas aventuras já havia acontecido de tudo e ele se gabava por já
ter visto de tudo.
Bem, a vida no campo sempre começa cedo e mesmo de
férias tínhamos que acordar bem cedo, claro que não tão cedo quanto minha avó e
os outros adultos, mas ainda assim era bem cedo para duas crianças de férias, e
em mais uma das manhãs nas quais ainda cheios de sono tomávamos nosso café da
manhã, ouvimos o barulho do bater de porta de um automóvel, nos entreolhamos,
pois não havíamos ouvido barulho nenhum de motor e não poderia ser nosso tio,
já que sabíamos reconhecer o motor barulhento e o ranger das molas que a velha
caminhonete dele fazia. Minha avó contava que alguns anos antes a região das fazendas
foi assolada, como ela costumava dizer, “por uma praga de bandoleiros”, com
receio minha avó se aproximou da janela sondando cuidadosamente o vasto espaço
lá fora.
Seguindo minha mãe também nos aproximamos de uma
das janelas da frente, dali pudemos observar que havia uma caminhonete ainda
mais velha que a do tio Steve parada no caminho de pedriscos que seguia da
entrada da fazenda até a entrada da casa. A caminhonete parecia mais um monte
de sucata que dava a impressão de não aguentar rodar alguns metros sem se
despedaçar, ela estava trepidando como se estivesse com o motor ligado, mas não
ouvíamos barulho algum, também não havia motorista dentro dela.
A tensão instalou-se imediatamente entre nós, ao
avistar aquela cena minha irmãzinha, pobrezinha, agarrou-se à minha mão
sussurrando com medo algumas palavras que naquele momento eu não compreendi e
no mesmo instante minha avó surgiu por trás de nós e nos afastou da janela. Ela
certamente já havia passado por mais coisas do que já havia nos contado e era
visível no rosto dela a preocupação, fomos colocados atrás do sofá enquanto
minha mãe foi para outra janela na tentativa de enxergar melhor a porta
enquanto perguntava onde estavam os cães. Minha avó tinha quatro cães grandes
que estavam sempre vagando ao redor da casa, mas naquele momento todos tinham
desaparecido.
Antes que minha avó pudesse responder sobre os
cachorros uma sequência de batidas fortes foram desferidas contra a porta, escondidos
atrás do sofá, minha irmã e eu em uníssono demos um grito de susto e as batidas
na porta cessaram. Olhei para minha irmã e ela estava olhando para mim com os
olhos cheios de lágrimas, afaguei a cabeça dela tentando confortá-la e inutilmente
tentando mostrar que eu não estava com medo. Ela sussurrou novamente para mim e
desta vez pude compreender “Deve ser aquele cara magro que fica olhando quando
estou brincando lá fora”. Eu estranhei aquilo, mas não dei atenção, apenas fiz
sinal para ela ficar quieta e segurei a mãozinha dela.
Não posso afirmar que ela se referia ao Homem
Esguio, mas aquele dia foi um dos últimos em que estive tão próximo dela, foi o
último dia em que afaguei os cabelos dela e segurei sua mãozinha... Deus...
Da janela minha mãe continuava tentando visualizar
o lado de fora, mas pelo ângulo que estava e acredito que pelo recuo da soleira
não era possível conseguir enxergar a área toda, e no momento em que minha avó
se aproximava da porta para checar as trancas as batidas recomeçaram, minha mãe
soltou um pequeno grito de susto e nós dois voltamos a nos encolher atrás do
sofá. De repente começaram a bater também na porta dos fundos com o mesmo vigor
que literalmente socava a porta da frente, parecia que a qualquer momento a
madeira iria ceder.
Logo as batidas começaram ao mesmo tempo nas duas
portas, o estrondo era tamanho que parecia fazer tremer o assoalho sob nossos
pés, minha mãe começou a correr apavorada de um lado para outro até que se
jogou junto de nós atrás do sofá enquanto minha avó permanecia firme junto à
porta da frente virando-se constantemente para observar a passagem que estava
bem atrás de nós. Foram longos minutos de terror e angústia até que ouvimos o
barulho, para nós inconfundível, da caminhonete do tio Steve e então uma freada
brusca deslizando sobre os pedregulhos que cobriam o caminho, minha mãe então gritou
o mais alto que pôde: “Graças a Deus! Steve, aqui! Tenha cuidado!”.
As batidas contra as portas cessaram imediatamente
e nós três corremos para a janela, ficamos aliviados com o cessar das pancadas,
mas nos sentimos muito mais seguros em saber que nosso herói estava ali. Tio
Steve, com sua vasta coleção de rifles e sua experiência em caçadas. Da janela
vimos tio Steve com um enorme rifle se aproximando da caminhonete invasora, ele
se aproximava cuidadosamente apontando o rifle para o veículo. Ele se aproximou
e olhou pela janela do motorista, percebemos sua expressão confusa, depois
olhou novamente e passou a mão pelo rosto, visivelmente tenso ele deu a volta
no veículo observando a caçamba aberta e cada uma das janelas, então foi se
aproximando da porta da casa, ele caminhava um pouco curvado, com o rifle
preparado e apontando para diversos pontos, a faca de caça pendendo em seu
cinto e o chapéu de caçador jogado para trás da cabeça.
Quando ele estava junto à porta minha mãe fez sinal
à minha avó que removeu as trancas que naquela altura estavam todas com os
parafusos espanados e os pregos saltando da madeira. Com a voz grave Steve
disse: “Eu sempre digo que a senhora precisa ter armas aqui”. Nós corremos para
perto dele, quanto mais perto mais seguros nos sentíamos, ele sorriu para nós e
neste momento ouvimos pela primeira vez o barulho do motor da caminhonete
acelerando, como um raio Steve se virou e fez um disparo que estraçalhou o
para-brisa veículo. Minha avó nos empurrou para longe da porta e voltamos para
nosso esconderijo atrás do sofá.
Tio Steve correu na direção da caminhonete que
continuava com o motor ligado, não havia dúvida de que ele havia acertado o
maldito invasor, embora mesmo que com o vidro quebrado não fosse possível ver
ninguém na direção, quando ele se aproximou o veículo acelerou novamente e saiu
em disparada fazendo uma curva quase impossível e quase atropelando meu tio. Ele
ainda efetuou mais um disparo que estourou também o vidro traseiro antes que a
caminhonete ganhasse a estrada, naquele momento, quando a caminhonete fez a
curva para pegar a estrada, ele teve a clara visão de que não havia ninguém na
direção.
Poucos minutos depois da caminhonete ter saído em disparada pela estrada, empregados
das duas fazendas chegaram correndo, quase todos eles armados, percebemos que
podíamos ouvir ao longe os cães uivando de uma maneira muito lúgubre. Vários minutos se passaram até que tudo fosse
explicado aos homens, quando tiveram certeza que não havia ninguém pelos
arredores Tio Steve mandou dois de seus rapazes, que era como ele chamava os
homens que trabalhavam com ele, até a cidade e voltarem com uma viatura, chamou
outros três e os mandou ficarem conosco vigiando a casa. Checou o rifle
embarcou com alguns outros na caminhonete para verificar a estrada no sentido
em que o estranho veículo seguiu.
Quando os rapazes voltaram da cidade com a polícia,
os homens que trabalhavam na fazenda já haviam checado cada lugar da casa e do
terreno sem encontrar sinal algum de outras pessoas, nada de marcas de pegadas
ao redor da casa e muito menos próximo das portas. Steve contou para a polícia
que a caminhonete do invasor não tinha placas e que nenhuma marca distinta
existia além de ferrugem chamava a atenção, em um tom sinistro ele contou que
quando olhou dentro da caminhonete não encontrou ninguém, mas foi possível
perceber claramente marcas que pareciam ser sangue nos estofados rasgados e no
painel, também contou que a cabine estava entulhada com diversos objetos, na
maioria cordas, correntes e ganchos. Nenhum de nós podia fazer uma descrição do
invasor, pois em momento algum pudemos ver como ele era.
Os dias que seguiram foram tumultuados, todos
estavam assustados e sem entender aquilo que havia acontecido. Os rapazes do
tio Steve fizeram buscas por informações em quase todas as fazendas da região,
todos queriam entender o que havia acontecido, na verdade nunca conseguimos
explicar o que aconteceu naquele dia... Como ninguém ouviu o barulho da
caminhonete enferrujada do invasor? Como as portas quase vieram abaixo com as
estrondosas batidas ao mesmo tempo sem que pudéssemos ver alguém? Todos se
incomodavam com o assunto, principalmente quando alguém dizia que não havia
ninguém ao volante do veículo.
Mesmo com toda aquela confusão ficamos ainda mais
alguns dias na casa de minha avó, tio Steve trouxe uma espingarda e uma pistola
para minha avó, que não gostou nada, mas aceitou assim como aceitou que um dos
rapazes dele ficasse por ali por algum tempo. Assim os dias foram passando e as
coisas foram ficando mais calmas e tio Steve ficava conosco com mais frequência.
Pensamos que logo poderíamos esquecer aquilo, que
no final aquele acontecimento insólito ficaria apenas como uma lembrança que
logo se tornaria apenas mais uma história que seria incorporada nas aventuras
do tio Steve, mas o pesadelo maior ainda estava por vir...
Nosso último dia de férias. Com vontade de
aproveitá-lo ao máximo fomos brincar fora de casa logo cedo, eu fiquei
brincando nos galhos de uma árvore à beira da estrada e minha irmã ficou um
pouco mais distante sentada na grama com suas bonecas. Nós dois não pensávamos mais
no caso da caminhonete, tudo estava calmo e o dia agradável, vez ou outra eu
percebia minha mãe nos olhando pela janela da sala com certeza ela ainda estava
preocupada.
Logo ouvimos a caminhonete do nosso tio se
aproximando e me lembrei pela primeira vez em dias do caso do invasor e de como
tio Steve disse ter sentido “uma coisa ruim” quando da estrada viu a lata-velha
parada perto da casa. Ele parou a caminhonete bem debaixo do galho da árvore em
que eu estava e disse para eu pular na caçamba, às gargalhadas foi o que eu
fiz. Minha mãe que com certeza havia ouvido o barulho havia saído na porta. Tio
Steve gritou para ela: “Olá! Onde está Bri?” Que era como chamávamos minha
irmãzinha e continuou: “Vou leva-los para brincar no lago.”.
Eu olhei curioso para o lugar onde há poucos
minutos ela estava brincando e tive um calafrio lembrando de novo sobre a
sensação ruim que meu tio falou dias antes. Bri não estava lá brincando, somente
as bonecas estavam lá ainda cuidadosamente organizadas e sentadas como Bri
sempre gostava de coloca-las.
Em segundos minha mãe e minha avó estavam pelo
terreno chamando pela minha irmã e não demorou nada para que todos os rapazes
do tio Steve já estivessem na fazenda junto com os funcionários das terras da
minha avó vasculhando cada centímetro e cada canto da propriedade. A tarde passou
e quando a noite chegou todos já tinham consciência que não era uma arte de uma
criança pequena, ela realmente não podia ser encontrada...
Minha mãe já havia ido de carro para a cidade com
dois dos rapazes para dar o alerta à polícia e ao maior número de pessoas que
conseguisse. Tio Steve e dez outros homens prepararam lanternas, armas e cães e
se embrenharam na mata. Foi uma longa noite de buscas... Eu fui colocado na
sala, onde a todo o momento alguém passava para ver como eu estava e
principalmente para perguntar se eu me lembrava de mais alguma coisa, de ter
visto algum carro ou alguma pessoa estranha. Eu não tinha o que responder.
Inquieto e angustiado eu me lembrei de quando ela
sussurrou para mim, durante o episódio do estranho invasor, sobre o homem magro
que a observava enquanto ela estava brincando e fui contar para minha mãe, ela
estava rodeada por pessoas das proximidades, mas nenhuma delas levou em conta o
que eu estava falando. Os dias se passaram sem notícias, rastros ou pista da
minha irmã.
Não
voltei para a escola naquele ano e nem no ano seguinte, minha mãe vendeu nossa
casa e cada centavo foi gasto com detetives particulares, e depois de um tempo,
com um incontável número de charlatães que prometiam poder dar pistas de onde
ela estava graças a poderes mediúnicos, mas claro que havia um preço que nunca
era barato. Não demorou muito para que nós fossemos morar de vez na fazenda,
estávamos todos tão arrasados com aquilo que até mesmo os negócios na fazenda
estavam indo mal.
Tio Steve passava a maior parte do tempo procurando
pistas, indo atrás de pessoas e dirigindo longas distâncias mostrando uma
pequena foto de Brianne para todos que encontrava. Três anos depois do
desaparecimento minha avó morreu triste e se culpando por tudo aquilo, na
sequencia vi minha mãe perdendo as forças e ficando cada vez mais triste ao
mesmo tempo em que as fazendas degringolavam e mantinham-se minimamente
funcionais graças aos esforços de alguns dos rapazes que foram leais à minha
família até a venda das terras.
Nunca mais vimos Bri novamente, mas tio Steve nunca parou de buscar por ela, nem mesmo quando minha mãe morreu e eu fiquei morando com ele em uma pequena casa na cidade. Tio Steve cuidou bem de mim, me mandou para a escola e sempre tentou livrar minha mente de qualquer culpa em relação ao que aconteceu. Ele morreu sozinho em casa, eu o encontrei quando fui passar o fim-de-semana com ele, eu estava na faculdade e a cada dois finais de semana voltava para nossa pequena casa. Na mão dele estava a velha foto que ele mantinha sempre à mão, a imagem já desgastada mostrava Bri sorrindo encantadoramente...
Se a aparição daquela caminhonete enferrujada e
caindo aos pedaços está ligada ao desaparecimento de minha irmã, nós nunca
pudemos determinar, assim como eu nunca saberei se o que ela sussurrou para mim
quando estávamos apavorados escondidos atrás do sofá foi o responsável pelo
desaparecimento dela. Depois de tantos anos, tudo agora parece encoberto por
uma névoa ainda mais densa e quanto mais penso nisso mais confuso eu me sinto.
Não posso explicar nada mais do que relatei aqui,
toda a verdade que destruiu minha família está descrita aqui, o que era invasor
invisível, o que minha irmã realmente viu observando-a e se existe uma relação
entre o invasor e o desaparecimento dela, acho que nunca poderei explicar.
Autor: Vagner Tadeu Firmino
A Triste Figura
Publicado em: Moderno Bestiário Urbano
Texto e imagem: Todos os direitos reservados
Contato: atristefigura@gmail.com
Obrigado pela sua leitura, espero que tenha gostado.
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