terça-feira, 8 de outubro de 2024

CASOS ESTRANHOS: INVASOR INVISÍVEL - O Desaparecimento de Brianne Sullivan


 

Um estranho invasor, o breve relato de uma garotinha sobre uma estranha figura a observá-la e um desaparecimento. Uma sequencia de acontecimentos insólitos que destruíram a vida de uma família. Estariam estes eventos estranhos ligados entre si?



INVASOR INVISÍVEL

O Desaparecimento de Brianne Sullivan

 

            Em busca por respostas sobre o que aconteceu comigo e com minha família, tenho dedicado tempo pesquisando similaridades e pistas que possam esclarecer ao menos parte do que aconteceu conosco. Nestas pesquisas foi inevitável, diante da natureza insólita do ocorrido, que eu acabasse me deparando com sites e comunidades na internet sobre paranormalidade e sobrenatural, não é desconhecido que a internet é rica em relatos fantásticos e em todo tipo de teorias da conspiração, mas era a única via que me restava. Eu encontrei diversos relatos, de diversas fontes, que ao final sempre conduziam as pessoas para um final trágico e traumático... Bem, até agora esta foi a única semelhança com meu caso.

Escreverei este relato da maneira mais simples que eu conseguir, acreditando que assim, atentando somente aos fatos e explicando-os, o caso possa ser levando mais a sério e não terminar somente como mais uma ‘creepypasta’ na internet. Uma pequena frase dita pela minha irmãzinha durante o tenso acontecimento pode levar você a ligar o caso que relatarei ao mito sobre o “Homem Esguio”, mas espero que perceba que isso pode ser apenas uma mínima semelhança já que o que aconteceu conosco possui muitos outros elementos que divergem dos muitos relatos que povoam a internet.

Nosso pesadelo teve início quando eu tinha 10 anos de idade, minha irmãzinha tinha apenas 4 aninhos, minha mãe estava chegando aos 40 anos e minha avó, a quem visitávamos todas as férias escolares, tinha 70 anos e era muito lúcida e ativa. Dou ênfase às idades e às condições de cada um de nós para que possam perceber que minha irmã e eu estávamos acompanhados por adultos lúcidos e ativos com idades não muito avançadas para serem considerados senis.

Durante nossas férias na casa de nossa avó também sempre estava conosco tio Steve, um homem jovem, também lúcido e ativo, um caçador bem conhecido pelos locais e dotado de um censo prático difícil de encontrar nos dias de hoje. Tio Steve era irmão de minha mãe, apenas três anos mais novo que ela e também foi uma testemunha do ocorrido e sofreu com os sentimentos traumáticos até o fim de sua vida.


Minha avó residia em uma fazenda um tanto distante à margem da pouco trafegada estrada 82, que depois como forma de uma homenagem póstuma, foi renomeada levando o nome de meu avô, mas anos mais tarde esta mesma estrada ganhou outro nome, um dos típicos nomes sem graça e que não dizem nada, mas que se tornaram muito comuns nas áreas mais rurais daquele estado. Tio Steve morava na propriedade seguinte, ele ajudava minha avó a cuidar da propriedade dela e, assim como ela, mantinha alguns empregados para cuidar das terras, então era muito comum o tio Steve estar por perto, a exceção era quando ele estava caçando pela mata com um dos rifles de sua coleção.

Nossas histórias geralmente começavam assim: “Ei, vocês lembram aquela vez em que o Steve estava caçando e...”, ou “E quando Steve se escondeu na vala com o rifle e...”. Todos riam, porque os fatos eram muito comuns, era quase impossível identificar uma história específica com este início, pois como já disse, tio Steve era um caçador e este era seu maior prazer e em suas aventuras já havia acontecido de tudo e ele se gabava por já ter visto de tudo.

Bem, a vida no campo sempre começa cedo e mesmo de férias tínhamos que acordar bem cedo, claro que não tão cedo quanto minha avó e os outros adultos, mas ainda assim era bem cedo para duas crianças de férias, e em mais uma das manhãs nas quais ainda cheios de sono tomávamos nosso café da manhã, ouvimos o barulho do bater de porta de um automóvel, nos entreolhamos, pois não havíamos ouvido barulho nenhum de motor e não poderia ser nosso tio, já que sabíamos reconhecer o motor barulhento e o ranger das molas que a velha caminhonete dele fazia. Minha avó contava que alguns anos antes a região das fazendas foi assolada, como ela costumava dizer, “por uma praga de bandoleiros”, com receio minha avó se aproximou da janela sondando cuidadosamente o vasto espaço lá fora.

Seguindo minha mãe também nos aproximamos de uma das janelas da frente, dali pudemos observar que havia uma caminhonete ainda mais velha que a do tio Steve parada no caminho de pedriscos que seguia da entrada da fazenda até a entrada da casa. A caminhonete parecia mais um monte de sucata que dava a impressão de não aguentar rodar alguns metros sem se despedaçar, ela estava trepidando como se estivesse com o motor ligado, mas não ouvíamos barulho algum, também não havia motorista dentro dela.

A tensão instalou-se imediatamente entre nós, ao avistar aquela cena minha irmãzinha, pobrezinha, agarrou-se à minha mão sussurrando com medo algumas palavras que naquele momento eu não compreendi e no mesmo instante minha avó surgiu por trás de nós e nos afastou da janela. Ela certamente já havia passado por mais coisas do que já havia nos contado e era visível no rosto dela a preocupação, fomos colocados atrás do sofá enquanto minha mãe foi para outra janela na tentativa de enxergar melhor a porta enquanto perguntava onde estavam os cães. Minha avó tinha quatro cães grandes que estavam sempre vagando ao redor da casa, mas naquele momento todos tinham desaparecido.

Antes que minha avó pudesse responder sobre os cachorros uma sequência de batidas fortes foram desferidas contra a porta, escondidos atrás do sofá, minha irmã e eu em uníssono demos um grito de susto e as batidas na porta cessaram. Olhei para minha irmã e ela estava olhando para mim com os olhos cheios de lágrimas, afaguei a cabeça dela tentando confortá-la e inutilmente tentando mostrar que eu não estava com medo. Ela sussurrou novamente para mim e desta vez pude compreender “Deve ser aquele cara magro que fica olhando quando estou brincando lá fora”. Eu estranhei aquilo, mas não dei atenção, apenas fiz sinal para ela ficar quieta e segurei a mãozinha dela.

Não posso afirmar que ela se referia ao Homem Esguio, mas aquele dia foi um dos últimos em que estive tão próximo dela, foi o último dia em que afaguei os cabelos dela e segurei sua mãozinha... Deus...

Da janela minha mãe continuava tentando visualizar o lado de fora, mas pelo ângulo que estava e acredito que pelo recuo da soleira não era possível conseguir enxergar a área toda, e no momento em que minha avó se aproximava da porta para checar as trancas as batidas recomeçaram, minha mãe soltou um pequeno grito de susto e nós dois voltamos a nos encolher atrás do sofá. De repente começaram a bater também na porta dos fundos com o mesmo vigor que literalmente socava a porta da frente, parecia que a qualquer momento a madeira iria ceder.

Logo as batidas começaram ao mesmo tempo nas duas portas, o estrondo era tamanho que parecia fazer tremer o assoalho sob nossos pés, minha mãe começou a correr apavorada de um lado para outro até que se jogou junto de nós atrás do sofá enquanto minha avó permanecia firme junto à porta da frente virando-se constantemente para observar a passagem que estava bem atrás de nós. Foram longos minutos de terror e angústia até que ouvimos o barulho, para nós inconfundível, da caminhonete do tio Steve e então uma freada brusca deslizando sobre os pedregulhos que cobriam o caminho, minha mãe então gritou o mais alto que pôde: “Graças a Deus! Steve, aqui! Tenha cuidado!”.

As batidas contra as portas cessaram imediatamente e nós três corremos para a janela, ficamos aliviados com o cessar das pancadas, mas nos sentimos muito mais seguros em saber que nosso herói estava ali. Tio Steve, com sua vasta coleção de rifles e sua experiência em caçadas. Da janela vimos tio Steve com um enorme rifle se aproximando da caminhonete invasora, ele se aproximava cuidadosamente apontando o rifle para o veículo. Ele se aproximou e olhou pela janela do motorista, percebemos sua expressão confusa, depois olhou novamente e passou a mão pelo rosto, visivelmente tenso ele deu a volta no veículo observando a caçamba aberta e cada uma das janelas, então foi se aproximando da porta da casa, ele caminhava um pouco curvado, com o rifle preparado e apontando para diversos pontos, a faca de caça pendendo em seu cinto e o chapéu de caçador jogado para trás da cabeça.

Quando ele estava junto à porta minha mãe fez sinal à minha avó que removeu as trancas que naquela altura estavam todas com os parafusos espanados e os pregos saltando da madeira. Com a voz grave Steve disse: “Eu sempre digo que a senhora precisa ter armas aqui”. Nós corremos para perto dele, quanto mais perto mais seguros nos sentíamos, ele sorriu para nós e neste momento ouvimos pela primeira vez o barulho do motor da caminhonete acelerando, como um raio Steve se virou e fez um disparo que estraçalhou o para-brisa veículo. Minha avó nos empurrou para longe da porta e voltamos para nosso esconderijo atrás do sofá.

Tio Steve correu na direção da caminhonete que continuava com o motor ligado, não havia dúvida de que ele havia acertado o maldito invasor, embora mesmo que com o vidro quebrado não fosse possível ver ninguém na direção, quando ele se aproximou o veículo acelerou novamente e saiu em disparada fazendo uma curva quase impossível e quase atropelando meu tio. Ele ainda efetuou mais um disparo que estourou também o vidro traseiro antes que a caminhonete ganhasse a estrada, naquele momento, quando a caminhonete fez a curva para pegar a estrada, ele teve a clara visão de que não havia ninguém na direção.

            Poucos minutos depois da caminhonete ter saído em disparada pela estrada, empregados das duas fazendas chegaram correndo, quase todos eles armados, percebemos que podíamos ouvir ao longe os cães uivando de uma maneira muito lúgubre.  Vários minutos se passaram até que tudo fosse explicado aos homens, quando tiveram certeza que não havia ninguém pelos arredores Tio Steve mandou dois de seus rapazes, que era como ele chamava os homens que trabalhavam com ele, até a cidade e voltarem com uma viatura, chamou outros três e os mandou ficarem conosco vigiando a casa. Checou o rifle embarcou com alguns outros na caminhonete para verificar a estrada no sentido em que o estranho veículo seguiu.

Quando os rapazes voltaram da cidade com a polícia, os homens que trabalhavam na fazenda já haviam checado cada lugar da casa e do terreno sem encontrar sinal algum de outras pessoas, nada de marcas de pegadas ao redor da casa e muito menos próximo das portas. Steve contou para a polícia que a caminhonete do invasor não tinha placas e que nenhuma marca distinta existia além de ferrugem chamava a atenção, em um tom sinistro ele contou que quando olhou dentro da caminhonete não encontrou ninguém, mas foi possível perceber claramente marcas que pareciam ser sangue nos estofados rasgados e no painel, também contou que a cabine estava entulhada com diversos objetos, na maioria cordas, correntes e ganchos. Nenhum de nós podia fazer uma descrição do invasor, pois em momento algum pudemos ver como ele era.

Os dias que seguiram foram tumultuados, todos estavam assustados e sem entender aquilo que havia acontecido. Os rapazes do tio Steve fizeram buscas por informações em quase todas as fazendas da região, todos queriam entender o que havia acontecido, na verdade nunca conseguimos explicar o que aconteceu naquele dia... Como ninguém ouviu o barulho da caminhonete enferrujada do invasor? Como as portas quase vieram abaixo com as estrondosas batidas ao mesmo tempo sem que pudéssemos ver alguém? Todos se incomodavam com o assunto, principalmente quando alguém dizia que não havia ninguém ao volante do veículo.

Mesmo com toda aquela confusão ficamos ainda mais alguns dias na casa de minha avó, tio Steve trouxe uma espingarda e uma pistola para minha avó, que não gostou nada, mas aceitou assim como aceitou que um dos rapazes dele ficasse por ali por algum tempo. Assim os dias foram passando e as coisas foram ficando mais calmas e tio Steve ficava conosco com mais frequência.

Pensamos que logo poderíamos esquecer aquilo, que no final aquele acontecimento insólito ficaria apenas como uma lembrança que logo se tornaria apenas mais uma história que seria incorporada nas aventuras do tio Steve, mas o pesadelo maior ainda estava por vir...

 

Nosso último dia de férias. Com vontade de aproveitá-lo ao máximo fomos brincar fora de casa logo cedo, eu fiquei brincando nos galhos de uma árvore à beira da estrada e minha irmã ficou um pouco mais distante sentada na grama com suas bonecas. Nós dois não pensávamos mais no caso da caminhonete, tudo estava calmo e o dia agradável, vez ou outra eu percebia minha mãe nos olhando pela janela da sala com certeza ela ainda estava preocupada.

Logo ouvimos a caminhonete do nosso tio se aproximando e me lembrei pela primeira vez em dias do caso do invasor e de como tio Steve disse ter sentido “uma coisa ruim” quando da estrada viu a lata-velha parada perto da casa. Ele parou a caminhonete bem debaixo do galho da árvore em que eu estava e disse para eu pular na caçamba, às gargalhadas foi o que eu fiz. Minha mãe que com certeza havia ouvido o barulho havia saído na porta. Tio Steve gritou para ela: “Olá! Onde está Bri?” Que era como chamávamos minha irmãzinha e continuou: “Vou leva-los para brincar no lago.”.

Eu olhei curioso para o lugar onde há poucos minutos ela estava brincando e tive um calafrio lembrando de novo sobre a sensação ruim que meu tio falou dias antes. Bri não estava lá brincando, somente as bonecas estavam lá ainda cuidadosamente organizadas e sentadas como Bri sempre gostava de coloca-las.

Em segundos minha mãe e minha avó estavam pelo terreno chamando pela minha irmã e não demorou nada para que todos os rapazes do tio Steve já estivessem na fazenda junto com os funcionários das terras da minha avó vasculhando cada centímetro e cada canto da propriedade. A tarde passou e quando a noite chegou todos já tinham consciência que não era uma arte de uma criança pequena, ela realmente não podia ser encontrada...

Minha mãe já havia ido de carro para a cidade com dois dos rapazes para dar o alerta à polícia e ao maior número de pessoas que conseguisse. Tio Steve e dez outros homens prepararam lanternas, armas e cães e se embrenharam na mata. Foi uma longa noite de buscas... Eu fui colocado na sala, onde a todo o momento alguém passava para ver como eu estava e principalmente para perguntar se eu me lembrava de mais alguma coisa, de ter visto algum carro ou alguma pessoa estranha. Eu não tinha o que responder.

Inquieto e angustiado eu me lembrei de quando ela sussurrou para mim, durante o episódio do estranho invasor, sobre o homem magro que a observava enquanto ela estava brincando e fui contar para minha mãe, ela estava rodeada por pessoas das proximidades, mas nenhuma delas levou em conta o que eu estava falando. Os dias se passaram sem notícias, rastros ou pista da minha irmã.

            Não voltei para a escola naquele ano e nem no ano seguinte, minha mãe vendeu nossa casa e cada centavo foi gasto com detetives particulares, e depois de um tempo, com um incontável número de charlatães que prometiam poder dar pistas de onde ela estava graças a poderes mediúnicos, mas claro que havia um preço que nunca era barato. Não demorou muito para que nós fossemos morar de vez na fazenda, estávamos todos tão arrasados com aquilo que até mesmo os negócios na fazenda estavam indo mal.

Tio Steve passava a maior parte do tempo procurando pistas, indo atrás de pessoas e dirigindo longas distâncias mostrando uma pequena foto de Brianne para todos que encontrava. Três anos depois do desaparecimento minha avó morreu triste e se culpando por tudo aquilo, na sequencia vi minha mãe perdendo as forças e ficando cada vez mais triste ao mesmo tempo em que as fazendas degringolavam e mantinham-se minimamente funcionais graças aos esforços de alguns dos rapazes que foram leais à minha família até a venda das terras.

Nunca mais vimos Bri novamente, mas tio Steve nunca parou de buscar por ela, nem mesmo quando minha mãe morreu e eu fiquei morando com ele em uma pequena casa na cidade. Tio Steve cuidou bem de mim, me mandou para a escola e sempre tentou livrar minha mente de qualquer culpa em relação ao que aconteceu. Ele morreu sozinho em casa, eu o encontrei quando fui passar o fim-de-semana com ele, eu estava na faculdade e a cada dois finais de semana voltava para nossa pequena casa. Na mão dele estava a velha foto que ele mantinha sempre à mão, a imagem já desgastada mostrava Bri sorrindo encantadoramente...


Se a aparição daquela caminhonete enferrujada e caindo aos pedaços está ligada ao desaparecimento de minha irmã, nós nunca pudemos determinar, assim como eu nunca saberei se o que ela sussurrou para mim quando estávamos apavorados escondidos atrás do sofá foi o responsável pelo desaparecimento dela. Depois de tantos anos, tudo agora parece encoberto por uma névoa ainda mais densa e quanto mais penso nisso mais confuso eu me sinto.

Não posso explicar nada mais do que relatei aqui, toda a verdade que destruiu minha família está descrita aqui, o que era invasor invisível, o que minha irmã realmente viu observando-a e se existe uma relação entre o invasor e o desaparecimento dela, acho que nunca poderei explicar.



Autor: Vagner Tadeu Firmino

A Triste Figura

Publicado em: Moderno Bestiário Urbano

Texto e imagem: Todos os direitos reservados

Contato: atristefigura@gmail.com


Obrigado pela sua leitura, espero que tenha gostado.

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