PESADELOS
Eu estava deitado, sonolento e sentindo vertigens, mas
pude perceber um homem ao lado da minha cama sussurrando para outra pessoa sobre
mim, eu não conseguia perceber a presença de mais ninguém no quarto. O homem
falava sobre como eu reagiria se um dia pudesse acordar e como tudo o que
aconteceu estava diretamente ligado à minha personalidade. Quanto mais eu
tentava prestar atenção menor era a minha compreensão sobre o que aquele homem
corpulento e barbado estava falando, eu não sabia que lugar era aquele e, principalmente,
o que tinha acontecido comigo.
Tentei me mexer e levantar da cama, não sentia que
estava preso ou amarrado, mas era impossível qualquer movimento, me dei conta de
que talvez eu tivesse sofrido algum acidente e estivesse paralisado. Eu estava
preso em mim mesmo! Eu queria falar, mas minha língua e minha boca permaneciam
imóveis, em desespero tentava gritar, mas nenhum som saía pela minha garganta.
Preso em mim mesmo!
O homem continuava falando sobre mim
e embora sua voz fosse sussurrada ele parecia dar pouca importância para mim,
parecia estar falando baixo não por minha causa, mas sim porque seus ouvintes exigiam cerimônia para ouvirem sobre aquilo. Tentei então fazer sinais com os
olhos, pois me pareciam vivos ainda, mas nem o homem e nem os ouvintes perceberam.
Aos poucos comecei a perceber que o
homem estava informando um relatório sobre meu caso, pude compreender poucas
coisas, pois sua linguagem ficava cada vez mais indecifrável, mas ao final do
diagnóstico que ele estava recitando eu senti um medo terrível, pois percebi
que ele olhou diretamente para mim e disse em um tom de voz um pouco mais alto,
mas ainda solene, que eu não esboçava nenhuma reação há 15 anos e nem mesmo era
capaz de abrir os olhos. Como poderia ser? Eu estava ouvindo e enxergando tudo!
Em meio a tudo aquilo eu comecei a me senti muito cansado e com muito sono, eu não queria dormir novamente, mas fui dominado por um torpor profundo. Tentei agitar o corpo uma última vez para chamar a atenção daquelas pessoas e em um último esforço tentei rolar meu corpo para fora da cama. O quarto escureceu e eu caí em um abismo profundo, senti muito medo e mais uma vez fiz esforço para gritar, a voz finalmente saiu de minha garganta, mas totalmente incompreensível e abafada como se minha boca estivesse coberta por mãos muito fortes, em desespero eu afundei na escuridão do abismo. Acordei em sobressalto quando estava prestes a atingir as profundezas abissais.
Olhei para o relógio e saltei da cama
apressadamente, estava atrasado mais uma vez para o trabalho e enquanto ao
mesmo tempo me trocava e procurava pelas chaves, fiquei pensando em um pesadelo
que tive, meu corpo doía e a dor de cabeça havia retornado, mas não tinha tempo
para aquilo e precisava me concentrar na apresentação para a qual eu deveria
estar preparado para realizar em alguns minutos. Desci as escadas correndo e
bati a porta ganhando a rua movimentada, ao longe avistei um táxi, estava quase
sem dinheiro, mas mesmo assim resolvi apanhá-lo, outro atraso esta semana não
seria tolerado.
Corri fazendo sinal com a mão e assoviando para o
carro parar, não prestei atenção na rua e um veículo que vinha em sentido
contrário me atingiu, senti uma dor terrível se alastrando pelo meu corpo, fui
atirado ao ar. Acordei quando estava prestes a cair de volta ao chão.
***
O quarto todo estava em silêncio, meus olhos estavam
embaçados e tentei erguer as mãos para esfregá-los, mas meu corpo não respondia,
tentei em vão agitar meus membros e tive vontade de chorar e gritar... Não
podia fazer nada, minha consciência estava aprisionada dentro de um corpo
inútil e imóvel. Comecei a ouvir vozes sussurradas de diversas pessoas ao meu
redor, pessoas que aos meus olhos, pareciam apenas fantasmas, não tentei me comunicar
com elas, já sabia que isto era impossível. Fiquei tentando entender o que elas
falavam, mas suas vozes não passavam de tristes murmúrios.
Notei ao lado da cama um homem muito velho que me
observava com o semblante muito triste, ele não parecia um fantasma como os outros,
eu podia vê-lo e ouvi-lo claramente, tentei me comunicar com ele piscando os
olhos e para meu espanto ele se aproximou ainda mais de mim. Fiquei eufórico,
finalmente alguém havia percebido algum movimento meu, tive vontade de
agarrá-lo pelos colarinhos e gritar que eu estava vivo, gritar para que
ele desse um jeito de me tirar daquela situação. O velho então disse com a voz
tremula: “Você não vai nem abrir os olhos para me ver?”.
Todos os fantasmas na sala começaram a chorar alto e
eu agora ouvia claramente suas vozes pedindo para que eu reagisse. Como não
podiam ver meus olhos abertos? Eu não podia mover a cabeça, mas meus olhos
estavam abertos e se moviam para todos os lados, como eles não percebiam isto?
O velho que havia se aproximado de mim se afastou aos prantos e eu pude ver
sentado em outra cadeira o mesmo homem corpulento e barbudo
de antes prestes a começar mais um discurso. Acordei antes de ouvir a voz dele.
***
Minha cabeça doía terrivelmente, minha boca estava
seca... Continuava deitado, mas não estava em uma cama. Estava em uma caixa
acolchoada e fechada, eu podia ver o lado de fora por um pequeno vidro através do qual as pessoas do outro lado se revezavam para tentar ver meu rosto. Não demorou e alguém colocou
algo tapando minha visão, ouvi o barulho de parafusos sendo afixados na madeira
e senti que fui levantado em decúbito e assim carregado por alguns minutos.
Eu estava em um caixão sendo colocado dentro de uma
cova! Logo pude ouvir o som da terra úmida cobrindo meu ataúde e me escondendo
do mundo para sempre. Tentei gritar que ainda estava vivo, mas minha boca
estava tapada e, mesmo que não fosse assim ninguém poderia me ouvir. Acordei
antes de sufocar em agonia pela falta de ar.
***
Ao lado da minha cama mais uma vez estava sentado o
mesmo homem, mas desta vez imóvel e calado, sua presença era quase como a de
uma estátua. Fiquei um tempo observando o teto que parecia muito baixo e
opressor apenas para não ter que observar aquela criatura calada ao meu lado, eu
não podia me comunicar e ninguém sabia que eu estava realmente vivo, todos
achavam que eu não tinha consciência de tudo o que acontecia ao meu redor, mas
me intrigava o porquê nem mesmo podiam perceber que meus olhos estavam abertos.
Finalmente virei os olhos para o homem sentado e o observei por
alguns instantes, seria aquele meu médico? Olhei para o teto novamente e
percebi que ele estava ainda mais baixo, na verdade, ele estava descendo sobre mim
e em breve eu seria esmagado, voltei os olhos para o homem e ele continuava
impassível e o teto parecia não descer sobre ele e sim somente sobre mim e eu
não tinha como me salvar.
Olhei então para o outro lado da sala, o lado oposto ao que o homem estava, e o que eu encontrei ali me encantou, naquele lado do quarto havia uma janela e pelas cortinas entreabertas alguns raios de sol passavam e eu me esqueci de tudo... Mas foi apenas por poucos segundos. Logo senti o teto bem perto do meu rosto e meu corpo começou a ser esmagado, eu não sentia dor, mas o desespero de não poder me defender ou pedir por socorro era ainda pior.
Acordei quando meus ossos deram os primeiros estalos sob a pressão que me esmagava. Estava banhado de suor e com a respiração ofegante, pensei estar atrasado e já ia pulando da cama quando dei conta que era um sábado, sem graça me joguei de costas na cama mais uma vez. Acordei com o som estridente do despertador.
***
Levantei da cama esticando o corpo, havia adiado o
inicio de minhas caminhadas, recomendadas pelo médico durante os últimos meses,
mas agora não tinha mais como adiar eu precisava começar com aquilo. Espiei
pela janela do quarto e percebi que o tempo estava um pouco fechado, parecia
frio lá fora e quase voltei para a cama. Contrariado fui trocar de roupa e
vestir um agasalho, enquanto calçava o tênis ouvi o som de algo caindo na parte
de baixo da casa.
Fiquei parado por alguns instantes tentando ouvir
mais algum som, a casa parecia silenciosa e triste, antes mesmo de terminar de me
calçar levantei e fui escutar próximo à porta do quarto, ouvi barulho de passos
cuidadosos e vozes abafadas. Abri a porta devagar e caminhei silenciosamente
até a escada de onde pude ver lá embaixo duas pessoas revirando as gavetas dos móveis da sala, eles estavam com o rosto coberto e um deles estava com uma arma
na mão, meu coração disparou, girei nos calcanhares para voltar correndo ao
quarto, mas me deparei com um terceiro assaltante de arma em punho e antes que
eu pudesse fazer qualquer coisa ele disparou a arma contra meu peito. Não senti
dor, senti apenas um impacto e logo em seguida meu peito começou a arder como
se estivesse cheio de brasas.
Fiquei olhando para os olhos de meu assassino encapuzado e percebi que eles se pareciam com gotas turvas de água suja, tentei arrancar o capuz dele e fui empurrado, cambaleei para trás sem parar de olhar para os olhos dele que agora pareciam muito mais escuros, mas não mais como água suja e sim como uma nuvem de tempestade. A casa iluminou-se inteira com um relâmpago e logo veio um barulhento trovão e a chuva começou a cair pesada, o assassino apontou novamente a arma para mim e fez outro disparo. Acordei antes que o segundo projétil me atingisse.
***
O homem, que estivera sempre ali, estava debruçado
sobre mim como se me examinasse. Em um aparador ao lado da cama havia uma
bandeja cheia de parafernálias cortantes e perfurantes que ele estava a aplicar
em minha carne, embora eu não pudesse sentir dor uma terrível angústia tomou
meu coração e pus-me a chorar, mas ele nada percebeu. Fiquei imaginando por
quanto tempo mais teria que viver naquela situação e aquele pensamento me
enchia de tristeza e desespero, eu estava sozinho dentro de mim mesmo e nunca
alguém tomaria ciência daquilo...
Virei os olhos em busca da janela e percebi que agora ela
estava aberta, pude observar no céu em um estranho tom de chumbo, uma brisa
balançava levemente as cortinas. Eu queria poder sentir aquele vento em meu
corpo e passei alguns minutos tentando imaginar como aquilo seria, quando
estava totalmente perdido em meus pensamentos contemplando o céu que se tornava
tão nebuloso quanto meus pensamentos e ouvindo apenas o som metálico dos
instrumentos na bandeja, fui atraído de volta ao meu triste estado pelo som de uma
estrondosa trovoada, uma rajada forte de ar invadiu a sala e finalmente pude senti-la
se espalhando pelo meu corpo.
Senti uma dor imensa, muito maior
que a dor da injúria, muito maior que a dor do ostracismo e do abandono, muitas
vezes mais aguda que a dor que era estar preso em mim mesmo. Então meu corpo
desmanchou-se diante da ação do vento eu fui carregado pelo ar através da
janela, eu voava livre transformado em pequenas partículas de pó em direção ao
céu cinzento enquanto aquele homem corpulento e barbudo me dava adeus. Não
acordei, pois nunca mais precisei dormir.
Autor: Vagner Tadeu Firmino
A Triste Figura
Texto e imagem: Todos os direitos reservados
Obrigado pela sua leitura, espero que tenha gostado.
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